quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Cérebro Tirano ?


1 sobre as reflexões
Concordo com a constante necessidade de reestruturação do conhecimento. Nesse sentido que Morin afirma não buscar um sistema de complexidade, mas sim evidenciar o problema incortonável da complexidade do real. Desse necessário enfrentamento que seus escritos tentam constituir uma visão poliocular, levando o autor a assumir o manto da transdisciplinaridade e o curioso título de contrabandista dos saberes. 

2 sobre continuando
O que provavelmente Morin entende como reducionista é um dos mitos da ciência clássica, a simplicidade do universo. Segundo ele "a simplicidade do universo foi o mito da ciência clássica, buscando a unidade elementar e a lei suprema do Universo" e além disso "essa busca foi extremamente fecunda, pois ocasionou a descoberta da molécula, do atomo e da partícula" e "desembocou precisamente sobre a complexidade". Ou seja, ainda que as diversas interpretações sobre o papel da desordem e do caos estejam abertas, não há dúvidas que a complexidade é uma expansão dos paradigmas da ciência, fruto das investigações da própria ciência clássica. 

3 sobre as pelejas digitais 
Acho que o contato do conceito de complexidade com a arquitetura está justamente nessa expansão das noções científicas. Em meados do século XX, avanços em áreas diversas (biologia, física, matemática, informática, etc) incorporam desordens, processos indeterminados, instáveis e organizações emergentes, como sistemas de organização racionais. Acredito que tais constatações científicas tenham sido de algum modo "consumidas" por campos culturais distintos, e mesmo pela arquitetura.

4 algumas divagações sobre a emergência
A idéia de uma organização emergente é muito instigante. Aceitar os sistemas bottom-up, baseados em agentes, (em oposição às hierarquias centralizadas top-down) como estrutura passível de um uso prático, revela novas possibilidades de atuação em diversas áreas de conhecimento. Basta ver os próprios exemplos do livro de Johnson. Entretanto, apesar das muitas qualidades do livro, me parece que a emergência acaba ganhando um caráter quase mítico. Se assim a leitura se torna mais interessante, acho que acaba também suscetível a alguns desdobramentos perigosos. 
a
Um sistema emergente não necessariamente é melhor que um sistema centralizado. A princípio é apenas mais 1 forma de se organizar algo.
b
A emergência não surge tão facilmente quanto alguns gostariam. Basta pensar em alguns comportamentos humanos frente a situações reais, como congestionamentos, evacuação de edifícios em risco (chamas, desabamentos, confusões, etc) para notar que muitas vezes os elementos de um sistema não assumem regras básicas, e nem estão dispostos a agir em benefício de uma coletividade, atravancando o funcionamento do suposto organismo emergente. 
c
A emergência também não é sempre mais democrática. Muitas situações exigem uma autoridade central legitimada pela maioria para um sistema funcionar melhor. Se não me engano, Johnson fala que o cérebro é emergente pelas sua constituição neural, o que me parece um fato comprovado. Entretanto, tendo em vista o conjunto do corpo humano, vale lembrar que o cérebro assume uma autoridade central necessária para a maioria das funções de nosso organismo serem realizadas. Nem por isso ele é um tirano...

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Refletindo acerca destas novas maneiras de pensar saberes antigos, me ocorre falar, - como não poderia deixar de ser - sobre moda. Em especial sobre Hussein Chalayan, estilista cipriota, que tem trabalhos interessantes nos quais busca tratar, em suas roupas, materiais não usuais. Um exemplo é a coleção "after words" http://www.husseinchalayan.com/#/art_projects.2000_afterwords/ na qual o estilista faz de uma mala, uma saia.

Programação para Imprevisibilidade. Imprevisibilidade na Complexidade.

Sistemas de software convencionais oferecem a seus usuários ferramentas cujo resultado é previsível, ainda que com o conjunto desses resultados se possam gerar composições complexas. É o caso do editor de imagem tradicional, que permite a inclusão na tela de formas pré-definidas, curvas, além do preenchimento destas com cores e texturas; um software como esse pode ser usado para o projeto de um jornal, de um cartaz, ou mesmo para o esboço de um edifício. O software oferece uma linguagem para seus usuários, que são justamente suas ferramentas e padrões, e o usuário conhecedor dessa linguagem pode usá-la para modelar o que deseja. Nas diferenças entre o modelo idealizado pelo usuário e o resultado final reside a interferência do software, que pode ser limitadora, por exemplo quando ele não oferece as ferramentas necessárias ao modelamento de certa forma idealizada, ou pode haver uma influência criativa, ou ao acaso, quando o resultado de uma ação não prevista pela sintaxe do software gera um bom resultado formal.

Tendo em vista o funcionamento de tais sistemas de software, com sua linguagem clara e de resultados precisos quando acionados pelos usuários, nota-se que ele é pouco dialético, e principalmente pouco dialógico. Há, no entanto, na Ciência da Computação, exemplos de software em que atinge-se dialógica, nos quais a léxica deixa de ser um conjunto de ferramentas de resultados precisos e o diálogo passa a ser entre as intenções formais, ou mesmo funcionais e sentimentais do usuário e a resposta adequada do software, que pode Desenvolvemos então um software que reage aos movimentos dos usuários, ainda que levados ao computador pelo movimento de um cursor do mouse. A cada movimento, um conjunto de linhas conexas é apresntado; o resultado são formas que se compõem gradativamente, de modo diferente a cada nova interação.

O funcionamento do software tem 7 comportamentos diferentes, que podem ser escolhidos pelos usuários ao digitarem as letras “a” a “f”, ou qualquer outro dígito que resultara no mesmo comportamento. Ainda que esse detalhe seja meramente operacional, iniciamos a seleção do comportamento que o programa adotará pedindo ao usuário que escolha a sua complexidade.

Os resultados obtidos podem ser os seguintes:

- Opção A: novas retas são adicionadas, limitando-se à forma de um quadrado. O que acontece nesse caso é o preenchimento gradativo do quadrado com retas conectadas. O ponto inicial de cada reta é o final da anteriormente inserida no sistema. Mais de uma reta é inserida a cada movimento do mouse (o que pode ser definido no código fonte do sistema). Como as retas tem seus pontos definidos aleatóriamente, o padrão de preenchimento do quadrado deve ser diferente a cada interação.

- Opção B: as retas resultantes da execução do software nesse modo não tem limitação vertical, ainda que sejam limitadas horizontalmente. Elas são adicionadas às pré-existentes seguindo a direção do movimento do mouse. Quanto mais veloz o movimento, mais espaçadas serão as retas, como acontece com um pincel real, que preenche mais a tela com a cor da tinta que carrega quanto mais lento for o movimento do pintor.

- Opção C: semelhante ao caso A. Nesse caso as retas limitam-se a um retângulo que se apresenta no topo da tela.

- Opção D: semelhante ao anterior. A limitação espacial é o quadrante superior esquerdo da tela

- Opção E: Nesse caso as retas ocupam todo o espaço da tela, exceto as bordas direita e esquerda.

- Opção F: A limitação espacial é semelhante à da opção E, com a diferença de que a função que gera os pontos aleatóriamente é alterada a cada movimento do mouse. Assim, mesmo que iniciassem a execução do software ao mesmo tempo e em dois computadores diferentes e executassem simultaneamente os mesmos movimentos, dois usuários veriam a imagem se formar diferentemente se um escolhesse a opção E e o outro a opção F.

- Qualquer outra opção: o traçado corresponderá ao movimento exato do mouse quando ele for movimentado lentamente e a retas compostas por pontos por onde ele passou quando movimentado rapidamente. A velocidade do movimento e sua captação na imagem pode ser controlada no código fonte desse software.

É comum a todas essas opções o comportamento de que todas as retas traçadas tenham uma nova cor a cada movimento do mouse. Quando quiser apagar totalmente o quadro, o usuário pode clicar.

Quando comparado a um sistema tradicional de edição de imagem, como o descrito inicialmente, a diferença desse software está na aleatoriedade da forma gerada. O resultado visual desse diálogo pode agradar seu usuário, ainda que não seja totalmente previsível.Considerando que designer aplicam diversos itens soltos para produzir uma colagem esteticamente aceitável, pode-se pensar nesse sistema como uma metáfora deste trabalho de composição. As retas, nesse caso, podem fazer o mesmo, ou seja, podem se compor de uma maneira admitida ou não pelo usuário. Cada reta pode representar um elemento de uma colagem, e pensando no usuário do software como o designer que produz essa colagem, pode-se entender que o computador funciona como o seu parceiro de produção, pois é ele quem define qual o próximo elemento que será inserido, e onde será inserido.

Ainda que essa composição de retas seja um modelo simplificado de uma colagem, ela se caracteriza por um diálogo entre o designer (ou usuário) e o computador. Este define os elementos e sua posição, e aquele a velocidade de inserção de elementos. Ainda que o computador pareça "liderar" o processo criativo, na realidade ele só traz sugestões daquilo que o usuário poderia idealizar, e cabe a este decidir se elas fazem sentido. De fato, a autonomia é do usuário, que decide se a "sugestão" dada pelo computador será aceita, se precisa de mais elementos, ou se deve ser totalmente apagada.

Não se pretende caracterizar esse sistema como complexo, pois mesmo as funções aleatórias dos computadores são definidas matematicamente. Não hã neste sistema uma composição de ciências, e mesmo a interação com os usuários é limitada à captação de seu movimento por um mouse. No entanto, não se pode dizer que o usuário definiu exatamente qual é gráfico final. A imprevisibilidade é parte dos sistemas complexos, e esse sistema se propõe a apresentar o imprevisível ao seu usuário.

O vídeo a seguir é uma simulação do uso desse software:

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Continuando...

E continuando, não sei se o modelo clássico da ciência é reducionista, porque ele nos trouxe até aqui. Acredito que ele agora nos pareça reducionista.

Reflexões

Pegando carona nas interessantes colocações de Daniel sobre a complexidade, esta postagem muito me fez refletir sobre algo que, não sei se vocês concordarão ou não, mas pode ser um caminho...é que ao tomarmos a questão sobre a qual uma entidade não é um fim nela mesma, ou seja, uma ontologia, estamos aceitando que todas elas, quais sejam, são na verdade múltiplas em si mesmas, sofrendo a ação daquilo com a qual entram em contato.
A partir disso podemos pensar que nossas fornteiras são reorganizadas a cada novo contato, nossos pensamentos e conhecimentos são alterados. Nossa percepção é alterada. Gosto de pensar Merleau-Ponty filósofo francês (já falecido) que estudando a fenomenologia, já lançava as bases para esta reestruturação da forma de pensar que é o pensamento complexo. Talvez não consigamos apontar uma obra é dizer: "isto é complexidade", porque, na verdade, tudo o que estamos vivenciando é fruto desta reestruturação, não chamaria de "nova forma de pensar", ou "nova maneira de projetar, etc." mas sim, é uma reestuturação ou talvez, melhor ainda, uma readequação?

sábado, 29 de novembro de 2008

A Complexidade de Edgar Morin

A complexidade tem seu terreno na ciência, apesar desse termo ser mais comum na vida cotidiana. Na ciência, sua função é bloqueadora, mas não negativamente, uma vez que atribuir complexidade a um determinado tópico faz com que ele seja examinado cautelosamente, não seja tratado com extrema simplicidade e reducionismo muito rapidamente (Morin, 2005, pp. 46-7).

Ainda de acordo com Morin, a complexidade tem sua origem na dialética hegeliana, que introduziu a contradição e a transformação no âmago da identidade (Morin, 2005, p. 47). Independentemente de sua base filosófica, a complexidade na ciência pode embasar fenômenos, fatos e objetos quaisquer, uma vez que não compreende apenas quantidades e interações limitadas pelas possibilidades de cálculo disponíveis, mas também compreende incertezas, indeterminações e fenômenos aleatórios (Morin, 2005, p. 49).

Essa definição de Morin esclarece o conceito de complexidade e sua importância para a ciência abruptamente. Em face a qualquer fenômeno de massa, sejam grupos humanos, de formigas ou entidades virtuais, sejam células, átomos ou partículas sub-atômicas, não se pode considerar a manipulação de uma entidade única como verdadeiramente esclarecedora, uma vez que ela em si não é capaz de produzir os resultados que as coletividades em cada uma dessas instâncias gera, bem como não se pode modelar exatamente o comportamento dos grupos, pois todos eles são afetados por fatores aleatórios ou de difícil previsibilidade. As formigas podem ter seu formigueiro devastado por uma grande tormenta, os grupos virtuais podem ter sua comunidade invadida por um hacker, as células podem sofrer mutações por razões que até atualmente a ciência médica não conseguiu isolar. Em face a todas essas abordagens, a complexidade parece um meio de estudo científico desses temas.

Morin também menciona a falência do modelo científico clássico, apenas mascarada pela sua boa capacidade de manipulação (Morin, 2005, p. 72). E nesse ponto, em que sua Introdução se torna um fervoroso manifesto ao seu pensamento, Morin descreve a Scienza Nuova, não como uma negação do modelo clássico, mas como uma anexação dele, que em sua intenção manipulatória, é dito reducionista pelo autor.

Referência bibliográfica:

Morin, E. (2005). Introduction à la pensée complexe. Paris: Seuil.

Gráfico de saída de software gerador de formas produzidas por linhas conexas aleatórias
(pelo grupo de pesquisa, 10/2008)



quinta-feira, 27 de novembro de 2008

peleja digital contemporânea 2


"These new complexities have always existed, hidden within the pre-existing conventions. At the same time, the present potentialities furnished us by the computer simultaneously also repress and hide other operative possibilities. It becomes the job of we architect to construct the new tools and new algorithms able to produce the environmental complexes necessary for our present condition."
-Peter Eisenman

Essa citação de Eisenman nos apresenta alguns pontos muito interessantes. 
1
O meio digital estabelece um novo território, ou seja, novas "possibilidades operativas". Acreditando que os artifícios utilizados no projeto jamais são neutros, podemos afirmar que o computador foi uma mão na roda das neo-vanguardas. Se a perspectiva (artificial) teve um papel fundamental na arquitetura do Renascimento, principalmente como síntese de um espaço geometricamente ordenado e determinado, quais novas espacialidades o computador nos permite conceitualizar hoje ?

2
Os algoritmos podem ser uma das respostas. Operando a partir de regras (e não diretamente em um resultado final) para gerar arquitetura, expandimos o leque de possibilidades espaciais e formais, além de permitir o acesso de novos agentes e dados nesse processo. Acredito que isso alinhe o pensamento arquitetônico com a idéia de emergência e complexidade, pois deslocando-se o interesse da forma final para o processo, há um grande potencial para a interação de agentes/dados múltiplos dentro da operação, possibilitando-se interfaces antes impensáveis.

3
Entretanto, tenho uma pequena ressalva. Eisenman trabalha com a idéia de uma condição presente, ou seja, a idéia de que existe um espírito contemporâneo, e que devamos nos esforçar para almejar essa condição. É uma postura muito autoritária, que dita a necessidade de se utilizar uma dada tecnologia, de uma forma específica, para não ficarmos desatualizados com nosso tempo. Peter, onde está a liberdade de expressão ?

4
Por fim, apresento o projeto de Peter Eisenman da Cidade da Cultura da Galícia, fruto de um concurso internacional em 1999, vencedor da concorrência com arquitetos do Star System como Koolhaas, Libeskind, Nouvel, Perrault, e Holl. Eisenman estabelece uma proposta conceitual e formal muito forte. Baseia-se na idéia do palimpsesto, que problematiza a questão da visão/percepção da arquitetura. O projeto é formulado a partir de 2 conjuntos de geometrias: a planta medieval do centro de Santiago e uma grelha cartesiana original, que são distorcidos digitalmente tendo referência figuras topográficas e simbólicas (no caso uma concha). Esse procedimento sintetiza a arquitetura como uma matriz de informações e torna imprecisa a distinção entre topografia, edifício e um tecido urbano. Bem ou mal, o objeto arquitetônico é uma nova presença, original, mas estranhamente familiar.
Para saber mais do projeto clique aqui ou aqui

Sem entrar (por ora) no mérito das qualidades e deficiências desse projeto, nesse breve espaço me interessa apenas aponta-lo como um exemplo de manifestação da arquitetura contemporânea de vanguarda. 

Provocação: a sobreposição de tecidos distintos e o uso de um processo diagramático pode ser um ponto de contato da idéia de uma arquitetura sintática que Eisenman vem desenvolvendo há décadas com os temas que tratamos nesse blog ? Será que de alguma forma assimilou/consumiu a idéia de complexidade ? Ou será que faz o que lhe der na telha e se vale de discursos contemporâneos para legitimar seus projetos ? (ou quem sabe tudo isso ao mesmo tempo)